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Aventuras e desventuras de uma mamã de gémeos: Como me meti nesta enrascada; Relatos da (in)experiência; O dia-a-dia com 2 mabecos... Leiam e participem!!
Há uns aninhos atrás, ainda nós nem imaginávamos que nos iriamos meter nesta aventura que é ser mãe/ pai de gémeos, fomos com um grupo de amigos ao teatro ver a peça Caveman, com o Jorge Mourato. Na altura achámos piada à forma divertida como faziam o comparativo entre os Homens actuais e os Homens das cavernas. Ilustrava o instinto de caçador ainda existente no sexo masculino pela forma como estes 'espécimens' seguem uma linha recta de acção, independentemente daquilo que pisam ou derrubam pelo caminho, e o instinto recolector do sexo feminino que acaba por se traduzir sobretudo nas idas às compras (é aquela velha questão do 'E mais isto que pode fazer falta', com a qual eu não me identifico de todo...lol).
Pois há dias numa das idas a pé para a escola ia o Pandinha pela minha mão a fazer-me festinhas e eu a elogiá-lo, completamente deliciada, quando vimos um melro a pousar na relva. Pode até ser difícil de imaginar um tal comportamento no dócil Pandinha, mas assim que eu chamei a atenção para tal animal parece que o miúdo se transformou num qualquer Caveman em segundos, e largando a minha mão começou a ameaçar o dito bichinho com a bola que transportava consigo. Não fosse eu conter-lhe os ânimos e teriamos jantado melro frito.
Tudo isto me levou a concluir que realmente por muito que a gente os eduque, há sempre um troglodita dentro de cada elemento do sexo masculino, e eu arriscaria dizer que assoma com frequência à superfície até pelo menos aos 40 anos. É vê-los por aí no trânsito a chegarem-se às traseiras das nossas viaturas enquanto buzinam frenéticamente, a não conseguirem recusar participar num concurso para emborcar cerveja, ou simplesmente a fuçangarem como pontas de lança de uma qualquer equipa futebolistica.
E claro que quando questionados haverá sempre um motivo muito válido para tais comportamentos, mas eu continuo a achar que no fundo andam é a sonhar com mamutes...
Vêm-me as lágrimas aos olhos, mas há certas coisas que têm de ser ditas... eu adoro o meu pai!
Nas memórias mais antigas consigo recuar até uma noite em que estava com otites e que me recordo, como se fosse hoje, de ter sido embalada por aqueles braços fortes até adormecer. Nunca se queixou. Sempre teve a maior das paciências para nós, e quando as coisas começavam a descambar bastava um olhar mais sério para que o respeitinho se fizesse notar. E no entanto tem um coração de mel...
Sempre foi uma pessoa extremamente humana, mesmo para com os nossos 'perros' (diga-se de passagem que embora seja alentejano de gema a proximidade a Espanha deixou-lhe estas marcas). Não havia dia que não se levantasse às 6h00 da manhã para ir com eles à rua, não havia dia que ao chegar do trabalho não fosse para o mato com eles (só ele para descobrir mato em Lisboa!!) e não havia noite que não fosse de robe à rua para mais uma vez os passear. Levava sempre um garrafão de água no porta bagagens quando ia com eles para a caça pois não gostava que bebessem das poças. Com todos os outros caçadores a rir, lá pegava ele na toalha turca para limpar as orelhinhas do nosso Setter ou da nossa Epagneul Breton nos dias de mais chuva. E em casa até de secador de cabelo o vi...
Para nós sempre foi mais que um pai. Era companheiro de brincadeira também, e de fuga muitas vezes... Tinhamos daqueles cestos de vime que enchiamos com um lanche improvisado e fugiamos para junto do rio quando eu ou a minha irmã ficavamos em estado E (E de estupidez), longe de pensar que daí a uns anos alguém havia de ter a mesma ideia e chamar-lhe Parque das Nações... e ali estavamos a ver o rio, a jogar com ele à bola ou simplesmente a conversar.
Quando se reformou tinha a minha mãe (a quem também terei de dedicar o Mundo um dia destes) sido transferida para mais longe de casa, e chegava bastante mais tarde que o normal. Pois para não termos que atrasar o jantar ele decidiu que havia de conseguir adiantar alguma coisa que fosse, e pediu à minha mãe para lhe explicar como se fazia um refogado e outras coisas básicas. E lá dava eu com ele a sacar do cadeninho para depois inventar o resto a seu belo prazer, como qualquer Chef que se preze. E juro que era bom! Mesmo nos petiscos que sempre fez, acho que dava para perceber que se perdeu ali um cozinheiro. Saudadinhas do célebre Coelho à Caçador ou das Cabecinhas de Borrego no Forno...
E foi precisamente depois de se reformar que (re)descobriu a veia artística. Ele que depois de um dia de trabalho de escritório sempre arregaçou as mangas para resgatar um qualquer tareco ao caixote do lixo e lhe dar outra vida, decidiu forrar o sótão a madeira sozinho. De tal forma que foi convidado para trabalhar com um amigo nas obras, e ele lá foi todo feliz...
Estaria ainda feliz se, num qualquer dia, a uma qualquer hora, um qualquer fulano não o tivesse atropelado. Ia a mais de 120 kms/h numa zona residencial limitada a 30 kms/h e desfez completamente o meu pai. Tenho a perfeita noção que perdi 'O Meu Pai' nesse dia, e no entanto recusei-me a deixá-lo ir. Tinha consciência da gravidade das lesões, mas por muito que a médica insistisse para não ter esperanças isso só me deu mais força para lutar. Ninguém melhor que nós, família, para sabermos que tinhamos ali um lutador. Nunca o meu pai iria baixar os braços, nunca iria desistir de nós. Por isso merecia mais, e melhor. E nesse sentido demos tudo o que pudemos. Tomara ter podido dar mais...
Hoje em dia, anos volvidos, ainda continua connosco. Apoia conforme pode e a medicação deixa. E embora a minha mãe tenha sido incansável, há um limite humano e mesmo físico para o que se consegue aguentar. A dada altura tivemos de ceder e deixar que fosse para um Lar. Porque a minha mãe já não o conseguia levantar, porque chegou a fazer traumatismo ao cair, porque andava num ciclo vicioso de se levantar tarde e não fazer convenientemente as refeições. E nisso o coração da minha mãe é muuuuuito mole.
Cheias de mágoa no coração lá fomos procurar uma alternativa menos má... Pois mesmo numa altura dessas deu-nos uma lição de moral e disse, nos poucos momentos de lucidez que ainda vai tendo, que não tinha duvidas que seria o melhor. Para ele, para a minha mãe, e mesmo para nós filhas, que mais à distância sentiamos na alma a mágoa de não poder apoiar mais.
Melhorou bastante desde então, já voltou a ter horários, rotinas, acaba por ter mais companhia, e até come de bom grado os iogurtes a que antigamente torcia o nariz. De manhãzinha é ele que recebe de sorriso nos lábios a senhora que trata dos pequenos almoços, e lhe exige que se vá despachar porque já tem fome. E tem dias melhores, e dias piores, e tem dias em que tenho 'O Meu Pai' de volta!!
Sinceramente...acho que merecia melhor. Sinceramente... tenho pena de não poder fazer o relógio andar para trás e apagar aquele dia das nossas vidas. Mas agradeço-lhe cada dia de luta, cada passo, cada gesto. Agradeço por continuar a tentar pegar nos meus filhos ao colo pois sei bem o quão acolhedor é aquele colinho. E sei bem o que ele se esforça para continuar por cá mais uns tempos... contra todos os prognósticos.
Por tudo isto, neste dia especial, insisto em limpar as lágrimas e por o meu melhor sorriso. Foi o dia em que nasceu, e não o dia em que foi registado (outros tempos em que para não se pagar multa fazia-se destas coisas). Mas não me importo que voltemos a celebrar em Dezembro... só porque ele merece. Isso e muito mais!!
Parabéns papá!!!