Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Aventuras e desventuras de uma mamã de gémeos: Como me meti nesta enrascada; Relatos da (in)experiência; O dia-a-dia com 2 mabecos... Leiam e participem!!
Todas as noites, ao deitar os miudos, vemos em conjunto 2 livros escolhidos por deles (dica para não darem em loucos: comprar apenas livros com poucas páginas). Depois escolhem cada um a sua personagem e eu conto uma história original com essas personagens.
Ontem, tal como em tantos outros dias, o Pandinha queixou-se que tinha a fraldocas suja (será escusado entrar em pormenores ou corro o risco de vos fazer regurgitar já todo o jantar e ainda levar com um processo em cima). Enquanto lhe mudava a fralda a princesa, empunhando um dos livros por ela escolhido, aberto em frente ao nariz, exclama entusiasmada:
-Olha, mamã!! Estou com cara de história!!
Não poderia deixar passar em claro os já 70 anos de 'O Principezinho'. Certamente que já todos ouviram falar, mas infelizmente nem todos leram e por isso fica aqui o desafio para 2014: ler ou reler aquela que é a obra mais traduzida do século XX.
Apesar de ser considerado um livro infantil, foi já na minha adolescência que tomei contacto com ele. E marcou-me.
Numa versão mais simplicista fala de um príncipe que vive num pequeno asteróide, e que nas suas viagens interplanetárias calha de se encontrar com um piloto caído no deserto do Saara, e aproveita para contar a sua história.
Se o lermos de uma forma mais atenta e aprofundada, coloca-nos perante os inúmeros dilemas da vida, como o isolamento, a monotonia, o ter de se cuidar de algo frágil como uma rosa, e que nem sempre retribui da melhor forma. Fala da importância da disciplina, de não descuidarmos de cuidar de quem gostamos, e de apreciarmos cada pequena coisa, como um simples por do sol. Sobre os laços que se criam e a dificuldade que temos em dizer adeus a quem se gosta, que no fundo se traduz num certo egoísmo e egocentrismo que é preciso combater, quanto mais não seja por respeito a tudo aquilo de bom que essa pessoa trouxe à nossa vida.
Numa versão mais alternativa será apenas um E.T. deprimido e chato, que em vez de ligar para o 112 e pedir auxílio para o piloto caído, decide melgá-lo com uma história interminável enquanto exige desenhos.
Eu tenho dias que simplesmente nem tenho coragem para o ler e outros em que o leio e releio, tentando não me esquecer daqueles valores básicos da vida, e que fazem com que no fundo ela faça sentido, apesar de todas as adversidades. Em jeito de conclusão, e porque nada do que eu escrevesse aqui poderia sequer aproximar-se daquilo que foi escrito por Saint-Exupéry, ficam algumas frases chave, daquele que é o meu capítulo preferido, e que fala do encontro entre o Principezinho e uma 'simples' raposa astuta.
Dizia a raposa: 'Por enquanto, para mim, tu não és senão um rapazinho perfeitamente igual a outros cem mil rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas de mim. Por enquanto, para ti, eu não sou senão uma raposa igual a outras cem mil raposas. Mas, se tu me cativares, passamos a precisar um do outro. Passas a ser único no mundo para mim. E, para ti, eu também passo a ser única no mundo.' (...) 'Tenho uma vida terrivelmente monótona.' (...) 'Mas, se tu me cativares, a minha vida fica cheia de Sol. Fico a conhecer uns passos diferentes de todos os outros passos. Os outros passos fazem-me fugir para debaixo da terra. Os teus hão-de chamar-me para fora da toca, como uma música.' (...) 'Só conhecemos as coisas que cativamos.' (...) 'É preciso ter muita paciência. Primeiro, sentas-te um bocadinho afastado de mim, assim, em cima da relva. Eu olho para ti pelo canto do olho e tu não dizes nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas todos os dias te podes sentar um bocadinho mais perto...'
Por isso, para evitar mal-entendidos por aqui me fico por hoje... votos de um dia cheio de Sol a todos os que me cativaram!!
Hora de deitar e diz a minha filhota:
-Hoje conto eu a história.
-Está bem! É sobre quê? -pergunto, alinhando na brincadeira.
-Um leão!
E perante o olhar atento do irmão ela lá começa:
-Era uma vez um leão e uma 'leona'...
-Querida... é leoa que se diz, e não leona.
-Era uma vez um leão e uma... leoa? -corrige ela a olhar de esguelha.
Eu aceno com a cabeça e ela lá continua:
-O leão namorava com uma 'leona'...
Realmente não há volta a dar. Gajos! Sempre de olho nas 'leonas'...
A Patapon agora tem a mania que sabe ler. Pior... insiste em contar histórias e nós temos de assistir impávidos e serenos àquela mabecada horas a fio. Ora... o Pandinha não é conhecido pela sua paciência, e isso é mais que sabido. Por isso não foi para mim surpresa deparar com ela aqui há dias, livro em riste, a insistir para que ele ficasse sentado a ouvir a história, e o puto com o ar mais entediado do Mundo.
-Senta, mano!- dizia ela enquanto lhe colocava a mão no ombro.
E o miúdo, que também não é de muitas palavras começa a fazer 'Brrrrrrrrr' com os lábios e a espalhar saliva num raio de 200 metros...ou mesmo mais! E ela sem desarmar, olhos nos olhos, lança a questão:
-Tu és algum porco?
-Não... - diz ele meio inquieto tentando perceber onde iria parar aquilo.
-Então pára de fazer isso e senta-te a ouvir a história!!
E assim ficaram até à hora de deitar...
Os meus miúdos andam numa fase terrível ao deitar. Inventam mil e uma desculpas para eu ficar mais um pouco. Todos os dias tenho de contar a história do porco, a história da ovelha, e quando tento ver se dá para juntar os dois personagens convencem-me sempre a cantar uma música qualquer.
Mas de uns tempos a esta parte descobriram uma manha nova que é pedirem, com o ar mais meigo do Mundo, para os deixar 'Ler um bocadinho'. E quando eu tento alegar que está na hora de dormir dizem em côro 'É só um bocadinho', e eu lá vou concordando.
Pois aqui há dias estavam já a exagerar e eu fui com ar firme dizer que estava na hora de dormir. E resmunga o pandinha:
-Não está nada na hora!!
E nisto viro-me para ele e de forma seca e directa pergunto:
-E quem tem relógio aqui? E quem sabe ver as horas?
...e o puto olha para mim com ar admirado e de imediato larga o livro e deita-se.
Pelos vistos mesmo no universo infantil contra factos não há argumentos.